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10 de junho de 2017

Resenha de Filme - A vida secreta das palavras



Eu gostaria de começar os textos nesse espaço falando sobre literatura, todavia me deparei com um filme que toca bastante e que conheci já faz um longo tempo. Estava de repouso após uma cirurgia em 2009 e acabei assistindo este filme sem nenhum compromisso e acabei me apaixonando pela aura intimista e acolhedora que foge daquele conteúdo fútil hollywoodiano e nos faz "embarcar" literalmente em um navio petroleiro junto com Hanna, uma moça muito introspectiva, com problema auditivo e que parece a todo o tempo não querer ouvir a si mesma. Hanna é uma funcionária exemplar que nunca tirou férias, nunca chegou atrasada e sempre fez seu trabalho com competência e de tanto se dedicar o patrão a obriga a sair de férias. Na viagem que faz, perdida sem saber o que fazer acaba ouvindo uma conversa de que precisavam de uma enfermeira no navio petroleiro que está ancorado próximo de onde estão e resolve se candidatar. Daí pra frente começa uma história muito diferente de todo o conteúdo dos filmes comuns.

Hanna passa a cuidar de Joseph que ficou cego temporariamente por conta de um incêndio e começa então uma relação muito difícil, pois mesmo com a dificuldade na visão ele mantém seu comportamento grosseiro e desrespeitador, mas aos poucos percebe no silêncio de sua enfermeira que ela não é tão comum assim. Ficamos então sob a expectativa de um homem cego e uma mulher surda e começamos a ter uma percepção da vida de acordo com a própria percepção dos personagens. 

A poesia do filme começa quando sintetizamos diante de tantos silêncios e imagens que uma relação nova começa a surgir, em que um mantém cicatrizes expostas e o outro mantém cicatrizes escondidas não só no corpo, mas também na alma. Há uma cena específica em que Hanna deixa que Joseph toque em suas cicatrizes do outro e é esse um dos momentos pra mim mais tocantes e emocionantes do filme que mesmo parecendo parado e monótono nos faz pensar a vida, pensar as dores que carregamos no peito. O tempo em que passamos juntos aos personagens implica em um conhecimento do nosso próprio interior, numa cura pessoal. 

Este filme hoje me faz lembrar mesmo que pouco, um conto de Clarice Lispector chamado "Amor" e está no livro "Laços de Família", em que temos a personagem Ana que vive uma vida muito monótona sendo perfeita dona do lar e mãe exemplar, e ao tomar um bonde se depara com um cego que saiu para comprar ovos e com a freada brusca do bonde, acaba tendo seus ovos quebrados. Ana ao participar daquele incidente tem um choque com a realidade e a partir de um homem cego passa a ter a visão correta da vida, de como tudo era frágil e se sente insegura quanto a tudo. Ao fato de poder enxergar o perigo e aquele cego não, ela passa a sofrer angústias terríveis, mas conclui que o melhor que há de se fazer é viver intensamente, valorizar as coisas e pessoas ao seu redor porque um dia tudo acabaria. Acredito que quando os ovos se quebram pela freada do trem, Ana sai da casca, sai da sua zona de conforto e isso a tonteia, a faz despertar para o real.

É nesse momento que aproximo o filme do conto, pois Joseph precisou perder a visão mesmo que temporariamente para passar a ver a vida como ela é de verdade, a apreciar tudo aquilo que não podia ser percebido pela visão, a dar mais valor às coisas. Sua cegueira o faz começar a enxergar a vida como ela é de verdade e as dores das feridas ocasionadas pelo incêndio atrelado à relação com a enfermeira desperta a empatia nele. Daí percebemos que estamos aprendendo algo da vida a todo momento. Tudo é aprendizado. E Hanna também aprende muito. Em certo momento do filme, Hanna cuidando de Joseph confessa que é surda, que usa aparelho e quando não quer ouvir o mundo, desliga-o e não ouve mais nada. Ela não confiava em ninguém, mantinha apenas ao que parece uma relação com uma narradora infantil que fala em alguns momentos bem específicos e só no final conseguimos entender quem é esta menininha. Hanna consegue mesmo com muita dificuldade a confiar em Joseph e se abrir, mostrando as feridas de sua alma...e não são poucas. São traumas irreversíveis que abala mesmo a nós, meros espectadores.

Aprecio tanto o filme que comprei o DVD assim que saí do repouso da cirurgia e bem... creio que já tenha falado demais sobre ele. Destaco também a atuação de Sarah Poley e Tim Robbins como brilhantes, densas, fortes. Eu sou apaixonada pelo Tim desde o filme "Sobre meninos e lobos" e ainda não superei algumas situações ocorridas com o personagem neste filme. Mesmo sendo um filme de muitos anos atrás, continua nos fazendo aprender muito e ser empáticos com as pessoas, seja amigos ou desconhecidos. O amor nunca terá tempo de validade, nunca será assunto batido e o amor que acontece na relação de Joseph e Hanna é singelo, pacato e nos ensina muito, muito. Não se vê romance claro, se vê processos de cura, de libertação e confiança. Não espere cenas românticas neste filme, espere por aprendizados e não só entre as personagens principais, mas há outras pessoas no navio, outras almas vazias, abandonadas e a solidão de cada uma vai sendo captada por Hanna e por cada um de nós. Por fim, é um filme muito poético e duro porque somos acostumados a assistir filmes que nos incentivam a sonhar, a permanecer no lúdico de um amor possível e totalmente maravilhoso e neste filme encontramos pessoas perdidas, pessoas que precisam de cura e temos a percepção particular de nossas próprias feridas e que também precisamos cura-las.
Que assim seja.


Data de lançamento:21/10/2005 - 15/06/2007 (DVD)
Prêmios : Goya (Melhor Filme, Diretor, Roteiro Original, Direção de produção), Ariel (Melhor filme Ibero-americano)
Direção: Isabel Coixet
Elenco: Sarah Polley, Tim Robbins, Javier Cámara...
Gêneros: Drama, Romance
Nacionalidade: Espanha

2 comentários:

  1. Nao conheço o filme mas sei que esse ator faz filmes maravilhosos. Valeu pela dica. Quero muito assistir. Beijos!

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  2. Gostei muito da dica. Sigo pelo face

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